O Amarelinho e a organização social Cruzando Histórias firmaram uma parceria, por meio da qual abrem espaço para mulheres contarem, por elas mesmas, suas trajetórias, desafios e superações relacionadas ao mundo do trabalho.
A história abaixo é de Noelia Pereira Santos, 44 anos.
“Quando faço uma retrospectiva das muitas dificuldades pelas quais passei, reconheço a força que tenho. E isso vem do berço. Sou a mais velha de três irmãos, filhas de nordestinos, que se mudaram para São Paulo em busca de uma vida melhor. Meu pai trabalhava como ajudante de entrega, fazendo carga e descarga de mercadorias, minha mãe sempre foi do lar, além de se virar com bicos para aumentar a renda de casa.
Desafios e superações no começo
Quando eu tinha oito anos, meus pais decidiram voltar para sua cidade de origem. A vida estava difícil demais na capital paulista e fomos todos para Alagoas. E foi lá que tive o meu primeiro emprego, ainda que informal, como vendedora de produtos de catálogos, ajudando a minha mãe. Posso dizer que, para a minha idade, eu era ótima de negociação, números e comunicação! As pessoas elogiavam a minha expressão como um talento natural. Um ponto que gosto de reforçar é que, mesmo sem ter tido “educação”, minha mãe sempre fez questão de ter os filhos na escola. Agradeço a ela por isso!
Na adolescência, a relação com o meu pai ficou muito difícil, o que me fez sair de casa e passar a me virar sozinha. Eu tinha só 15 anos, mas fui trabalhar de babá em outra cidade. Logo depois, aceitei o convite de uma tia que morava em São Paulo e precisava de ajuda com a casa e os filhos. Trabalhei como empregada doméstica dela por um ano, até me mudar para a casa de outra tia. Em seguida, conheci meu primeiro marido.
Aqui começa um dos capítulos mais difíceis da minha vida. Aos 19, fiquei grávida da primeira filha. Nos anos seguintes, emendei outras duas gestações. Sempre quis ser mãe, mas não imaginava que teria três filhas em um período tão curto de tempo. Vivi um relacionamento abusivo por cinco anos, até que tomei a coragem de ir para a rua com as minhas três meninas no colo. Aprendi na raça que é melhor estar sozinha do que mal acompanhada, mas nunca foi fácil. Eu pedia forças para Deus porque o meu maior medo era ter que viver debaixo de algum viaduto com as meninas.
Oportunidades e primeiras experiências
Na época, uma das minhas tias nos deu abrigo e minhas filhas se alimentavam na creche. Se não fosse isso, literalmente, eu não sei o que aconteceria com a gente. Sofremos muito, mas eu não deixei de procurar meios de nos sustentar nem por um dia. Também entendi que a educação seria o melhor caminho de crescimento. Então voltei a estudar para terminar o ensino médio. Enquanto isso, trabalhava com o que me aparecia: fui balconista de loja, ajudante de confecção, até que consegui um estágio. Depois fui efetivada. Para a minha felicidade, pude alugar uma casa e criar minhas filhas no nosso lar.
A fase adulta e novos desafios e superações
Cinco anos depois, dei à luz ao meu caçula, fruto de um relacionamento que também não deu certo. Eu precisava seguir com a vida e buscar melhores condições. Então apostei nos estudos outra vez. Consegui uma bolsa para fazer um curso técnico de Contabilidade e nele conheci a disciplina de Recursos Humanos. Admirei tanto a paixão do professor que lecionava a aula que, mesmo com três filhas e um bebê, matriculei-me na faculdade de Recursos Humanos.
A rotina de mãe sempre foi puxada. Minhas filhas me ajudavam a cuidar do caçula, mas, mesmo assim, eu vivia com o relógio cronometrado. Trabalhava o dia inteiro, passava em casa para fazer o jantar, depois corria para a faculdade. Com tudo bem esquematizado, comecei a procurar estágios na área. Deu certo! Já com o diploma, em 2011, fui efetivada no setor e não saí mais da área.
Quando minhas filhas entraram na adolescência, pela primeira vez senti a sensação de alívio. Sim, eu consegui criá-las e educá-las! E sinto muito orgulho de ter sido uma mãe presente, mesmo diante das dificuldades, sem nunca desistir delas nem do meu crescimento como profissional.
Faço questão de manter meu sorriso no rosto, oferecer o meu melhor serviço e ter pensamentos positivos. Aprendi que, por mais desafios e superações que existam, reclamar não resolve meus problemas. Só eu sei quantas e quantas vezes eu peguei no sono de tanto chorar, mas estava pronta para o dia seguinte.
Reconhecimento pela jornada e metas para o futuro
Quando eu me lembro das histórias que vivi, reconheço a força que precisei ter para me manter de pé e criar meus filhos. Uma é formada em Comércio Exterior, outra conseguiu uma bolsa numa faculdade particular renomada e faz Pedagogia, a terceira aprendeu inglês sozinha e estuda Secretariado Executivo. Meu caçula fez ensino médio e o técnico de Programação de Jogos Digitais ao mesmo tempo. Todos são muito inteligentes! Dois grandes ensinamentos que passei para eles são: o hábito da leitura e o valor da independência. Pouco a pouco, vejo como cada um deles está conquistando o seu espaço. Sinto tanto orgulho, que me faltam palavras!
Voltando à minha trajetória, também fico feliz com a profissional que me tornei. Tenho certa dificuldade para falar sobre mim, mas compartilho alguns feedbacks que já recebi. Dizem que me destaco quando preciso orientar as pessoas, porque amo ensinar e transmitir a informação de forma clara. Tenho uma escuta muito empática e ativa e, por isso, consigo ajudar efetivamente. Elogiam a minha facilidade de comunicação e dizem que sou uma pessoa calorosa, animada, otimista e que isso contagia quem está ao meu redor.
Acho importante relembrar de onde venho, quem me tornei, para reforçar o caminho que quero seguir. Faz cinco meses que estou desempregada e tem sido bem desafiador encarar o processo de recolocação. Tento me manter serena, faço contatos, cursos e trabalhos voluntários na área. A esperança é o que me mantém forte. Tenho fé que em algum momento a oportunidade certa vai aparecer e eu vou conseguir me recolocar. E quando falo sobre fé, não quero dizer que um bom trabalho vai cair do céu, mas sim que meus esforços vão ser atraentes para encarar os desafios e buscar superações.
Novos desejos para carreira
Busco uma vaga de Analista de DHO (Desenvolvimento Humano Organizacional), ou lifelong learners, diversidade e inclusão. Com o tempo, quero ocupar um cargo de liderança e ser alguém que inspire os seus liderados. Sei que sonhar é importante, mas correr atrás dos nossos sonhos tem ainda mais valor. No que depender de mim, eu posso garantir: estou de peito aberto para dar o meu melhor no próximo emprego!”