Mais que uma questão de mobilidade, as bikes já estão virando alternativa de vida para pessoas como Lucas da Silva Nunes, que atua como bikeboy.
Vinícius Alves, de 19 anos, bem que tentou arranjar um trabalho ao terminar o ensino médio. Enviou vários currículos, mas nunca foi chamado para uma entrevista. Conversando com os amigos, descobriu que podia fazer entregas com bicicletas. Se inscreveu num aplicativo e começou a trabalhar de bikeboy há dois meses.
Em seu primeiro emprego, o jovem ganha um bom dinheiro, mas percorre mais de 50 quilômetros por dia. Afinal, começa seu expediente às 8h na Praça Raul Cortez, na Vila Olímpia, em São Paulo, e não tem hora para voltar a Diadema, onde mora. “Faço entregas de café da manhã, emendo com o almoço, descanso um pouco e pego o jantar. Dependendo do dia, chego em casa uma hora da manhã”, diz ele, que atende três aplicativos e trabalha com a bike da mãe. “Quando ela soube que era para trabalhar, me emprestou sem vacilar”, diverte-se.
Para Vinícius, o trabalho caiu do céu. Curtia a bicicleta como lazer e agora pedala para levantar uma grana, que compensa alguns contratempos, como as discussões com taxistas. “A maioria dos motoristas respeita a gente, mas os taxistas pensam que são os donos da rua. Agora, os motoboys nos tratam com muito respeito, são do bem”, afirma.
Quem também faz da praça seu ponto de trabalho é Lucas da Silva Nunes. Com 20 anos, ele já trabalhou como atendente em lanchonete e restaurante, onde fazia serviço de delivery com bicicleta à noite. “As entregas em domicílio acabavam me rendendo mais dinheiro, por isso me cadastrei nos aplicativos e agora trabalho só com isso”, conta.
Lucas mora no Grajaú, distante 26 quilômetros da Vila Olímpia, mas não perde a alegria. “Não tenho um chefe para ficar no meu pé, gosto de pedalar e ainda recebo uma boa grana que me permite pagar o curso de técnico de refrigeração. Tenho um amigo que consegue manter a faculdade de engenharia com este serviço”, revela, entusiasmado.
O boom das bicicletas também tem impulsionado os negócios do setor. “A implantação de ciclovias, principalmente ao longo da Avenida Faria Lima, em Pinheiros, fez com que as bikes passassem a ser usadas como meio de locomoção e não apenas para lazer. Aos poucos, elas estão transformando o conceito de mobilidade urbana, que antes ficava concentrada nos automóveis e transportes públicos”, constata Tomás Gumiel, responsável pela Scoobike, loja de consertos e vendas de bicicletas.
Segundo ele, a loja tem 30 anos de existência e, como fica em uma região com grande concentração de ciclistas e a maior malha de ciclovias, a demanda por serviços tem sido razoável. “Poderia ser melhor se o governo incentivasse o uso das bikes, que é uma alternativa viável de transporte”, afirma, lembrando que falta mão de obra qualificada para a mecânica de bicicletas, mais complexa do que se possa imaginar.
Ações de sustentabilidade
Para tentar suprir estas deficiências, o Instituto Aromeizero vem desenvolvendo alguns projetos de sustentabilidade ligados à área. Um deles é o curso Viver de Bike, voltado principalmente às pessoas de baixa renda, com conteúdo programático de mais de 60 horas, quando são apresentados conceitos de autogestão, responsabilidade social e financeira, planejamento de negócios, e formação em mecânica de bicicleta, entre outros. Também é
parceiro da plataforma Bike Negócio, desenvolvida pelo Banco Itaú junto a comunidades carentes com afinidade e potencial para criar e gerir um pequeno negócio, mas rentável, que tenha a bicicleta como ponto central.
Segundo Murilo Casagrande, diretor da Aromeiazero, ações de estímulo à cultura da bicicleta também vêm sendo desenvolvidas em parcerias com empresas de bike sharing, que criaram cerca de 400 empregos diretos em 2018. Ele acrescenta que as 296 fábricas empregam aproximadamente sete mil trabalhadores no Brasil e o varejo contava com quase 14 mil empregados em 2016, de acordo com levantamento da Aliança Bike, com dados da RAIS. A intenção é de que esta nova cultura de bicicletas aumente ainda mais a empregabilidade.