O presidente Jair Bolsonaro disse na semana passada que estuda enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para acabar com o judiciário trabalhista.
A declaração de Jair Bolsonaro sobre a possível extinção da Justiça do Trabalho tem rendido polêmica. Na semana passada, em sua primeira entrevista a um órgão de imprensa depois da posse, o presidente disse que os processos trabalhistas devem ser julgados pela Justiça comum e que o lado perdedor precisa pagar as despesas da causa. Este último item está previsto na reforma trabalhista de 2017 e aguarda uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Como até agora ninguém do governo veio a público para desdizer o presidente como em outros temas (aumento do IOF e diminuição do IRPF, por exemplo), a AATSP (Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo) programou um ato para o dia 21 de janeiro, às 10h, em frente ao Fórum Ruy Barbosa, na Barra Funda, em São Paulo. A proposta foi apoiada imediatamente pela Amatra-2 (Associação dos Magistrados de Justiça do Trabalho da 2ª Região), FENADV (Federação Nacional dos Advogados), MATI (Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes) e Sintrajud (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo), que estão juntos na organização do ato público.
O presidente em exercício da Amatra-2, o juiz do trabalho Leonardo Grizagoridis da Silva, lembra que o principal papel da Justiça do Trabalho é garantir que o trabalhador tenha acesso a ela para expor os problemas que está enfrentando e fazer uma pacificação dos conflitos trabalhistas. “A ideia de que a Justiça do Trabalho protege em demasia o trabalhador está totalmente equivocada. Temos, dentro da relação de trabalho, algumas garantias para proteger o direito do empregado e do empregador”, explica.
Silva diz que se a empresa cumpre a legislação trabalhista, a demanda do trabalhador fatalmente será julgada improcedente. Se a jurisdição trabalhista deixar de existir, o conflito continuará existindo e vai ter de ser resolvido, seja na Justiça estadual ou federal. “Agora, como a sociedade brasileira espera que esses conflitos sejam resolvidos? Por uma pessoa especializada no assunto ou por alguém generalista?”, questiona.
O fim da Justiça do Trabalho não vai impactar na produção ou dar mais garantias para as empresas. Isso é para a área econômica, tanto que o Brasil já teve anos maravilhosos do ponto de vista econômico e produtivo com a Justiça do Trabalho funcionando normalmente. Ou seja, ela não tem qualquer relação com a produção e o emprego.
Para o Silva, o empregado será prejudicado porque não vai poder contar com um juiz especializado na matéria trabalhista. Hoje, a Justiça do Trabalho é a mais rápida do Brasil porque se preocupa com o direito de natureza alimentar. “Não que necessariamente o trabalhador sempre tenha direito, mas se tiver, temos de trabalhar com rapidez porque ele precisa daquele dinheiro para se sustentar por algum tempo. Agora, imagine isto ir para uma outra Justiça, que tem diversas ações já em curso. O processo vai demorar muito mais para ser resolvido”, afirma, alertando que o perigo é real e, por isso, é preciso mostrar para a sociedade o que representaria na prática a extinção da Justiça do Trabalho para que ela se manifeste junto aos seus representantes.
Para o professor de Direito Trabalhista da FGV, Thiago de Carvalho, a Justiça do Trabalho vem desempenhando um papel fundamental há mais de 70 anos e a hipótese de seu fechamento iria exigir uma profunda alteração na Constituição Federal. “De qualquer forma, os direitos trabalhistas previstos no artigo 7 da Constituição, como a jornada de oito horas diárias, férias, décimo terceiro, FGTS e irredutibilidade salarial, entre outros, não podem ser extintos”, explica.
Com relação à intenção de passar os processos trabalhistas para Justiça comum, Carvalho não vê problemas, mas faz uma ressalva. “Os magistrados brasileiros em geral, admitidos por concurso público de difícil acesso, são bem preparados”, afirma, lembrando, porém, que na Justiça do Trabalho o foco é o trabalhador. “Em qualquer outro órgão do Poder Judiciário, as características da relação empregado/empregador podem não ser compreendidas em toda sua complexidade”, alerta.
Sobre a conceito de que a Justiça do Trabalho faria uma proteção exagerada do trabalhador, o professor diz que ela tem desempenhado seu papel institucional com erros e acertos. Segundo ele, há diversos recursos que podem ser manejados contra decisões supostamente equivocadas e as decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) estão também sujeitas à revisão do STF. “Portanto, há um maduro sistema judicial suficiente para garantir o direito de defesa”, finaliza.