O governo desistiu de incluir a Covid-19 na lista de enfermidades relacionadas ao trabalho. Em 1º de setembro, o Ministério da Saúde divulgou a portaria 2.309, com atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Nela, a Covid-19 constava no rol de doenças ocupacionais. Entretanto, menos de 24 horas após ser publicada no Diário Oficial da União, o governo voltou atrás. A revogação ocorreu por meio da portaria 2.345, assinada por Eduardo Pazuello, ministro interino da saúde.
A norma garantia estabilidade de um ano no emprego caso o trabalhador contraísse o novo coronavírus no local de trabalho. Se ficassem afastados das atividades por mais de 15 dias devido à infecção, os trabalhadores passariam a ter também o direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) proporcional ao tempo de licença médica. Além disso, a portaria previa auxílio-doença de 100% pelo INSS. Porém desde que comprovado o nexo causal, ou seja, que a doença havia sido contraída em decorrência do trabalho.
Como fica a situação dos trabalhadores agora?
Mesmo sem legislação específica em vigor, ainda é possível classificar o contágio pela Covid-19 como acidente de trabalho. Para tanto, o trabalhador pode apelar pelo caminho administrativo ou judicial a fim de comprovar a relação da infecção com o trabalho.
“Na prática, não sendo a covid-19 inserida na LDRT [Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho], isso dificulta que o INSS, voluntariamente, conceda o benefício, salvo se houver decisão administrativa ou judicial em sentido contrário”, afirma o especialista em relações do trabalho Ricardo Calcini.
Rafael Ferraresi Holanda Cavalcante, especialista em direito trabalhista, diz que o governo, ao recuar, agiu de forma correta. Isso porque a norma atribuia o ônus da contaminação de forma abrangente para a empresa. “Isso deixaria as empresas muito vulneráveis a pedidos de indenizações e estabilidades de 1 ano no emprego quando automaticamente se considera a Covid-19 como doença ocupacional, descartando a apuração do nexo de causalidade, que é relação que se deve estabelecer entre a atividade exercida com a doença adquirida”, explica.
O que diz o Supremo Tribunal Federal?
Em decisão recente, o STF deu margem para que a Covid-19 fosse considerada como doença adquirida no trabalho, principalmente em casos de trabalhadores atuando em serviços essenciais. Na ocasião, os ministros derrubaram o artigo 29 da Medida Provisória (MP) n° 927, que não prevê a doença como ocupacional.
De acordo com os ministros, tal artigo seria prejudicial a um número alto de trabalhadores que estão constantemente expostos à doença, por não considerá-la acidente de trabalho. Tal MP acabou perdendo validade em 19 de julho, uma vez que o texto não foi votado pelo Senado e caducou.
“O que poderia ser feito, entendo eu, é a flexibilização das prova para que o empregado não deixe de fazer a perícia, mas que ela tenha uma janela mais abrangente para o empregado, por exemplo, se ele conseguir demonstrar que a doença foi adquirida em um dia útil e quando não havia infectados na residência dele, por exemplo. Que isso já possa se caracterizar como o nexo, inferindo que ele adquiriu a doença no ambiente de trabalho. Então seria uma flexibilização tanto do ônus da prova quanto da feitura da própria perícia”, sugere Cavalcante.
O Ministério da Saúde não se pronunciou sobre as mudanças.