Empreender no Brasil não é fácil para qualquer um. Porém, quando o negro resolve abrir um negócio enfrenta mais dificuldades por conta de barreiras históricas, como falta de acesso à educação de qualidade e renda. Isso apesar da comunidade negra ser maioria da população brasileira e representar 51% dos empreendedores de todas as raças. Sem contar que movimentou R$ 1,6 trilhão em 2017.
Dos quase 13 milhões de empresários negros, 91% eram microempreendedores individuais (MEIs) que tocavam seu negócio sozinhos e apenas 9% empregavam uma ou mais pessoas, segundo o estudo “Os Donos de Negócios no Brasil: Análise por Raça/Cor (2001-2014) do Sebrae. O analista de gestão estratégica do Sebrae, Marco Bede, diz que o empreendimento em geral precisa crescer um pouco e ganhar maior escala para deixar de ser uma empresa de uma pessoa só para passar à categoria de empregador.
Para o cofundador do Movimento Black Money (MBM), Alan Soares, o nível de lucratividade de uma empresa tocada por um negro é menor que a de outras raças porque ele não se capacitou, teve uma educação formal menos proveitosa, não tem uma rede de contatos que consome os seus produtos e não conta com o apoio da família para emprestar capital. Daí a dificuldade para passar de MEI à categoria de empregador.
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Segundo Soares, pela falta de acesso ao mercado formal de trabalho e baixa remuneração, muitos negros resolvem empreender, mas, muitas vezes, é um empreendedorismo baseado na necessidade e não pelo sonho de ter seu próprio negócio. “Para ter uma ideia, até na questão do financiamento da iniciativa, o empreendedor negro tem o crédito três vezes mais negado que o branco na mesma situação econômica”, esclarece.
A sócia-proprietária do restaurante Free Soul Foods, Maíra da Costa, foi na contramão desta realidade. Ela estava há dois anos trabalhando na Itália quando a mãe se aposentou e juntas resolveram abrir um restaurante. Designer gráfica e ex-professora, respectivamente, as duas não tinham experiência alguma com o ramo de alimentação. Pesquisaram durante um ano e meio, Maíra fez cursos no Sebrae e resolveram investir em comida com opções vegetarianas, veganas, sem glúten e lactose em 2016.
Embora não tenha um negócio voltado exclusivamente para afrodescendentes, Maíra não nega ter sofrido discriminações em seu empreendimento. “Nosso foco é comida saudável e sustentável, por isso mantemos uma relação com fornecedores e clientes de todas as raças que também seguem esta filosofia. No entanto, já perdemos uma consumidora quando ela descobriu que somos negras e tivemos crédito negado no banco onde temos conta, apesar de nossa empresa ter gerado um bom movimento”, lamenta.
Para tentar diminuir estas dificuldades, o MBM está criando o Blackbank, uma fintech (empresa que usa tecnologia para fazer a ponte entre clientes e investidores ou instituições financeiras) que pretende relacionar de forma autônoma o capital financeiro da comunidade negra. “Se movimentamos 1,6 trilhão de reais num ano, é de se perguntar para onde vai esse dinheiro e por que ele não serve para o nosso empoderamento financeiro, por que não temos um banco para negros e não somos donos de escolas e supermercados?”, questiona Soares.
Segundo o fundador do MBM, “a ideia é capacitar e auxiliar os empresários negros, gerando mercado entres eles, fazendo com que negros consumam de afroempreendedores para criar uma rede própria, fazer relações e troca comerciais e também empregar nossos irmãos”. É o que faz o Free Soul Foods, que prefere manter mulheres negras e imigrantes em seu quadro de funcionários. “Elas são dedicadas e têm muita vontade de trabalhar”, garante Maíra.
Quem também tem cerca de 60% de negros como funcionários é Geraldo Rufino, CEO da JR Diesel, empresa de revenda de peças usadas de caminhões. Ele admite, porém, que não faz por ativismo. “É uma questão prática, pois o simples fato de não discriminar trabalhadores negros faz com que eles sejam maioria aqui, pois são maioria da população”, afirma.
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Rufino diz que nunca sofreu preconceito em sua vida, mesmo quando era empregado. “Comecei como office-boy em uma multinacional de judeus e cheguei ao cargo de diretor. Na família, somos 150 empreendedores bem-sucedidos. Então, onde está a discriminação? É uma questão de atitude dos próprios negros. Fui criado em uma favela, catei latas para sobreviver, mas minha mãe sempre nos educou para acreditarmos que somos iguais, que é um privilégio ser negro. O problema não está em nós, mas em quem nos discrimina”, sustenta.