Millena Machado criou a campanha #surdoehquemfala para sensibilizar empresários.
Em 2016, quando ainda apresentava um programa sobre carros no mais importante canal de televisão aberta do País, a jornalista Millena Machado foi surpreendida com a notícia de que sua prima havia perdido o emprego e não conseguia uma outra oportunidade. Naquele ano, o desemprego havia passado de 8,6 milhões para 11,8 milhões, mas o problema de sua prima era outro. Ela é surda desde quando tinha um ano e meio de idade por um erro médico que deixou sequelas na audição.
A surpresa de Millena foi porque a prima poderia ser inserida na Lei de Cotas, além de ser extremamente capacitada. “Ela sempre conviveu com a gente, aprendeu a fazer leitura labial, usou aparelho auditivo, frequentou a fonoaudióloga e estudou em escola regular, inclusive a faculdade. Eu não entendia porque estava desempregada se existia a Lei de Cotas e ela tem um bom currículo, formação, experiência e é oralizada. Foi quando descobri que as empresas têm a opção de escolher o tipo de deficiência e acabam decidindo pelas pessoas cuja adaptação ou intervenção física é mais prática e instantânea”, conta.
Millena resolveu, então, se juntar ao publicitário Alexandre Peralta e criar a campanha #surdoehquemfala, para mostrar que a deficiência auditiva também afeta uma grande parcela da sociedade, mas ainda enfrenta resistência do mundo corporativo quando o assunto é inclusão. “A deficiência física está na cara, é mais fácil de selecionar e todos no ambiente de trabalho percebem que há essa inclusão”, alega.
Segundo a jornalista, o ouvinte tem dificuldade para perceber que o outro teve uma perda auditiva. E que, quando ela é severa, a comunicação é diferente. É preciso falar de uma forma mais articulada, pausada, repetir, interagir, olhando no olho ou contratar um intérprete de Libras, no caso do surdo não oralizado. “Os deficientes auditivos necessitam de mais empatia do meio”, afirma.
O surdo é menos incluído porque tem todo este trabalho, diferentemente da questão da mobilidade, que é mais fácil de resolver. Ele envolve uma relação de dedicação total ao outro. “Muitas vezes, as pessoas estão fazendo outra coisa, falam ao telefone e não sabemos a quem estão se dirigindo. Por isso, dá tanta confusão, porque a comunicação é ineficiente mesmo entre os ouvintes e a gente costuma dizer que os surdos são usuários da comunicação”, diz Millena.
A jornalista diz que todos passarão a ter alguma deficiência a partir dos 30 anos, mas as pessoas ainda não sabem. “A nossa campanha fala um pouco sobre isso, da preservação da saúde e da perda auditiva para diminuir o preconceito. Então, agora estamos focando o mercado de trabalho, fazendo workshops e treinamento para executivos de RH para criar uma maior empatia e a inclusão dos surdos nos espaços corporativos”, explica.
Para Neivaldo Zovico, diretor regional da Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos), realmente a barreira da comunicação é uma das maiores dificuldades que os surdos enfrentam para a inclusão, tanto social quanto corporativa. “As empresas precisam conhecer a cultura surda e gerar interação que deve começar no processo seletivo. Isto aliado à conscientização dos funcionários, principalmente das lideranças, e a indicação de alguns para cursos básicos de Libras”, aconselha.
Zovico é surdo oralizado e teve acompanhamento de fonoaudiologia durante seis anos, uma vez por semana, na infância, mas diz que nem todos obtêm o resultado esperado. “No entanto, os surdos gostam de trabalhar e são muito focados. Em um universo de quase 10
milhões de deficientes auditivos, cerca de dois milhões são surdos. Destes, menos de 30% estão empregados”, lamenta Zovico.